domingo, 29 de novembro de 2009

Positivo

À memoria de Raul de Azevedo

I

Homem, o martelo
não sabe à boca

Os planos conduzem
ao interior denso do
mar.

dias e noites,
sábados, morte...

a dor precoce do domingo
interregno consentido
num país livre?
de homens livres?


II

lua e sol,
bodas de cristal.
eu só e o nada

mas meu sim paira
sobre a calçada

meu sim atravessa
a rua
a catraca

meu sim liberta
a ninguém e no nada.


III

Já não há mais medo nem dor
Da polícia, do bandido, do bando
De loucos em fúria, das catástrofes,
Dos desmoronamentos, das enchentes.

Cada um segue
(atrofiado)
em seu próprio abismo


IV

Mas meu sim reflui, indo e vindo no asfalto
Meu sim se afirma a cada passo no tempo

Meu sim é da moça no conjunto cor rosa
Meu sim é do negro que despacha pacotes
Do moto-boy em sua roupa de borracha e suor

Convertam os carros pelas curvas,
Passem os cartões nas máquinas,
Empacotem os legumes,
Embrulhem as frutas e os vidros,
Observem os anéis.

Os anéis são dourados em volta de tudo,
Mas meu sim não se estraga
nesse chão falso e pobre

Meu sim dribla as curvas, os bueiros e dutos,
Meu sim revive longe dos mercados e sua infinita
Confusão.


V

A degradação humana nas prateleiras,
A degradação e seu triste sotaque,
Seu começo, seu fim,
Seu objeto alheio.

Farrapos, andrajos,
calça o negro mendigo
está sujo e fede, mas está vivo
na guerra.

Se baixasse os seus olhos,
se ao menos os baixasse.

Mas, não...

É preciso remover esses olhos remidos,
É preciso converter em vitrine essa dor


VI

Meu sim ressurge nas chaves das portas,
Dos carros que partem e chegam em casa.

É preciso aprender a ser só e a só ser
Ter um cão e amá-lo, ter um cão e um
amigo
entre tantos que se foram pra nunca mais


VII


Meu sim...

Modelo de rito e semente de estrada
Caminho longínquo de volta à mata
Nega a cidade, seu começo e fim

Parem os bondes, os trens, aviões,
Parem as usinas, as aluviões

deixem a tarde cair
sem cortinas ou véus

Um comentário:

bayas disse...

O título deste poema é "Afirmativo", a forma como os militares dizem "sim". É dedicado à memória de Raul de Azevedo, Major-Brigadeiro da Aeronáutica brasileira e avô de um grande amigo meu.