sexta-feira, 21 de outubro de 2022

estrela guia

ela vai
e ela vem 
ninguém sabe
de verdade

onde esteve,
onde anda
a criança
da ciranda

vai por todos
os caminhos
deixa flores,
colhe espinhos

entre as curvas
da estrada
faz sua casa,
sua morada

mas ela gira,
gira sim
a minha estrela,
sabe, assim

e o mar salgado
enluarado
quebra as ondas
sobre mim

quinta-feira, 3 de março de 2022

meu golzinho ano 2000

(a liberdade é tudo
tudo e mais um pouco)

meu golzinho ano 2000
transita no Jardim Europa
um capitalista sem iPhone
entre as casas dessa gente
que é o progresso de São Paulo

meu golzinho ano 2000
tem motor 1.6
uma estabilidade impressionante
22 anos de uso
e nunca deu problema

meu golzinho prateado
enfrenta a lama e os buracos
leva velhos e velhacos
salvou gente em cinco guerras
e ainda sobe a serra

mas essa gente que faz
o progresso de São Paulo
tem uma dor de cabeça inovadora
e uma enxaqueca 5G

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Saudades do Mar


O mar que me chama de longe
é o mar que eu vivo a sonhar
de noite eu deito na curva
que desce daqui para o mar
Não posso ficar muito longe
o mar ruge a me chamar
ecoa o balanço das ondas
até onde eu posso enxergar

A noite dança feiticeira
de prata o espelho da lua
me lança no chão pela areia
me envolve em seu puro vagar
O mar é meu chão minha sombra
é meu amigo profundo e sincero
a areia é onde descanso do amor
desse imenso tear
O mar ninguém tenha comigo
sou eu seu primeiro lugar

Que vale ser bom e ser vivo
que vale ser bravo e ser bicho
o mar vem descansa comigo
molhado, eu descanso do mar
O mar, vou-me embora nem ligo
mentira, me atiro no mar
do mar, se na terra prossigo
sou peixe com dom de voar

Clara Luz


Os muros em paz
de branco caiado;
lanternas na noite
saúdam o chegado.

O arlequim
não tem problema,
seu mundo
é todo outro sistema.

Sente o corpo
atracar:
os braços, terra;
os olhos, mar.

Estrela


Mas as flores são precisas,
tão vermelhas e precisas,
gazelas rúbeas e saudade
do meu sangue a despertar.

São seis acres de ar
e um de oceano
onde as aves vão pousar
quando acabarem as ilhas.

E assim ao meio-dia
se merecer
sem ter um dia
em que ela me elegia,
me elegia, me elegia.

Evocação Litorânea


Quarta e feira
quantas vontades eu tive
na quarta, a feira
e mesmo assim se vive

Volteios, quebrantos
quem te viu todo dia
os silvos, encantos
de calma agonia

Ó diga quem torna
quem traz-me de volta
tuas curvas ranzinzas
tua uva chuveira
teus cães, minha lata
quarta-feira-de-cinzas

A ira dos homens
que vem me acordar
me deita e me trai
eu tento te achar
(um galo adoentado
na noite ainda já)

No meio-dia se mente
e se diz a verdade
a ira dos homens
é nossa comadre

Na orla de areia
espelho de luzes
cavalgam os carros
se deitam as cruzes
(são belos, velozes,
os avestruzes)

Foi no verão
já nem lembro mais
insano ao som
dos teus loucos ais

Neste Dia


Neste dia, vem a tristeza
Meiga senhora, me visitar
Vem me dizendo que sente muito
Mas já não pode me acompanhar

Eu vou sair por aí
De braços com a felicidade
Pois a tristeza foi embora
E não deixou saudade

Andreas Bayas e Paulo Som, 2002

Ódio na Calçada


Eu aqui estou em casa,
neste pouco e mero chão,
os pedaços e as pessoas,
já lavei da minha mão.

Já provei tanger mulheres
e ora quis ser rei no vão,
hoje guardo bem-me-queres
longe do meu coração.

Sou repulsa, sou errante,
sou corcel na contramão,
e, sentado, leso, esquivo,
odeio tudo como o cão.

Onde estás, João Infante?
Onde estás, Sebastião?
Quero ver o teu semblante
ao explodir o avião.

Quero ter contigo um trato
imortal e sem perdão:
que sejas sempre luz em vida
e que, no mais, não sejas não;

que arremedes pelo fio
e subas amplo na calçada,
e enquanto houver estio,
estejas sempre na estrada

para que, de outros reinos,
tragam, carros e cavalos,
a entreter-te, errante rei,
outros reis e seus vassalos;

e que estejas sempre vivo
pra que não se acomodem,
quantos mandes ao inferno,
eis que até os reis explodem;

e que morras, sempre, em vida,
mas que não te toque a morte,
pois o ódio é teu destino,
o desamor e a pouca sorte.

sábado, 26 de outubro de 2019

A Estátua *

A figura viva, soberba e trucidada
se eleva divina, quebradiça e ácida,
gentil ser vil terreno.

Arenosa nos olhares oblíquos,
prestos, venosos, precípuos, os gestos,
atrelam-se os cabrestos
a mãos enterradas
em dedos graves na goela,
sua alma intacta o corpo vela,
seus pomos balançam à beira dela,
dependurada em cio donzela.

Amantes eternos,
curvado vos presto
um beijo manifesto.

*Anotações feitas junto à reprodução da escultura "O Beijo", de Auguste Rodin, localizada no Largo de São Francisco, em São Paulo.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Hermética

As rodas do carro
Os passos no chão
Você
Num vestido
De verão

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Na Vila de Camburi


Na Vila de Camburi
o sol vai raiar
andar pela areia
sair pra pescar

Na Vila de Camburi
ainda é tão cedo
eu ando na areia
eu tardo em segredo

Empurram o barco
os três pescadores
o céu feito anil
se desmancha em cores

O barco avança
sobre o espelho das águas
os homens remando
desmancham as mágoas

O sol vai se erguendo
Enquanto o barco avança
Na manhã desse dia
O barco é a esperança

(...)

segunda-feira, 27 de julho de 2015

sábado, 16 de maio de 2015

Inside of Your Love

All of the struggle
To be and to shove
To live and to love
Is not yet enough
To make understand
That You are above


(As we are above
Inside of Your love)

And while we may find
Our true only size
It’s but a surprise
It may be enough.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Hora Morta

A morte é a redenção
dos vazios estados de alma,
dos ausentes estados de espírito,
a morte é o viver definitivo.

Tudo aquilo que nos atordoa
e que ora nos faz menos livres,
cessará, deixará de existir.

O tempo, em horas e dias,
cessará, deixará de existir,
e a tristeza, doce armadilha,
acabará, para sempre, enfim.

Mas meu eu,
aqui, hoje, ainda,
late, rosna e morde,
num canto qualquer da cidade.

Sábado, nesta hora morta.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Vivo em Veneza

O arlequim navega
pelo canal
ao cair da noite
sozinho na gôndola
alheio a tudo
olha sempre para frente
empurra o remo para trás
todo céu que ele sente
no presente que ele traz

O semblante branco
como a lua
tudo parece quieto
quando ele passa
pela ponte do Grande Canal
um anjo diante
do bem e do mal

Rodeado de casas grandes
vários andares, muitas janelas
algumas fechadas, iluminadas
outras abertas, desesperadas

A água é de um azul profundo
e ele sente muita paz
e de alegria quase chora
hoje cedo enfrentou a dor